Celebremos o Dia da Mandioca: o feijão e a farinha no prato principal dos sistemas alimentares [#19]
Na varanda: Feijão e farinha um casamento bem-sucedido
Alimentos de extrema importância cultural e socioeconômica, o feijão e a farinha aparecem em várias preparações de norte a sul do país, e contribuem para a segurança alimentar e nutricional de milhões de brasileiros. Nesta edição da cartinha, vamos exaltar a diversidade dessa combinação.
O Brasil é o segundo maior produtor de feijão e o quarto maior produtor de farinha de mandioca no mundo, de acordo com as estimativas do Banco do Nordeste (2023) e da Conab (2018). Uma parte considerável dessas safras provém de pequenos produtores rurais, o que agrega valor social à essas culturas. Ambos os alimentos desempenham um papel fundamental na sustentabilidade dos sistemas alimentares brasileiros, pois têm uma alta capacidade de adaptação e grande resiliência.
Os feijões são alimentos de alto valor nutritivo, fonte de proteínas e fibras que, quando cultivados em sistemas agroecológicos, ajudam a mitigar as emissões de gases de efeito estufa, a regenerar o solo e a controlar pragas. No Brasil, cultivamos uma diversidade de feijões , com destaque para o carioca e o preto. Além deles, encontramos nas mesas do país, diversos tipos: branco, mulatinho, vermelho, fradinho e feijão caupi (ou de feijão de corda), entre outros. A preservação dessa biodiversidade é fator essencial para a manutenção de sistemas alimentares sustentáveis.
Nossa velha conhecida farinha de mandioca e todas as suas variedades já foram tratadas em edições anteriores da cartinha, que falaram sobre a sua produção (edição 10) e sobre os tipos consumidos, sobretudo na região Norte do país (edição 11).
Da união entre o feijão e a farinha de mandioca nasceram vários pratos tradicionais na cozinha brasileira, que fazem parte das nossas memórias e afetos. Eles vão da insuperável dupla feijoada com farofa, passando pelo tutu à mineira, em que o feijão bem temperadinho vira um creme com a adição da farinha; e pelo feijão tropeiro, onde a leguminosa e a farinha de mandioca viram base de um prato enriquecido de temperos e carnes curadas; até o capitão, um delicioso bolinho à base de feijão e farinha.
Sobre a escrivaninha: Conheça a obra "Farinha, feijão e carne-seca" de Paula Pinto e Silva
O livro “Farinha, Feijão e Carne-Seca - um Tripé da Culinária do Brasil Colonial” (ed. Senac) é nossa dica de leitura para entender como esses três ingredientes base da dieta colonial moldaram muito do que até hoje entendemos como culinária brasileira.
“A mistura do feijão à já aceita farinha indica não só um tipo de ajuste às exigências do paladar, mas antes uma adaptação ao modo de vida tropical, sujeito às intempéries climáticas e aos problemas de conservação e transporte” (PINTO E SILVA, 2014, p. 100).
A autora Paula Pinto e Silva explica como funcionava a economia dos engenhos de açúcar no Brasil Colônia e porque dela surgiu um consumo de alimentos baseado em produtos indígenas, como mandioca, milho e feijão. As páginas da obra nos contam, por exemplo, como a transformação de mandioca em farinha era prática ancestral dos indígenas, para evitar que ingredientes frescos perecessem em um clima tropical, quente e úmido. E como o hábito de comer feijão com caldo, em geral temperado e com adição de gordura, que os colonizadores adotaram, se impregnou na cultura nacional.
Trata-se de um retrato histórico rico sobre como a amálgama que uniu saberes locais aos adquiridos de portugueses e africanos escravizados criou uma das bases da nossa cozinha.
Este e outros livros fazem parte da curadoria que organizamos da "Biblioteca Real: a mandioca na literatura”. A lista completa está em nosso site e os livros físicos estão disponíveis na Biblioteca da FSP/USP.
No fogão: Feijoada vegana e farofa de banana-da-terra
Descendente dos cozidos típicos europeus, a feijoada leva normalmente feijão preto e carne de porco. A história da criação do prato completo, acompanhado de arroz, couve mineira refogada e farofa, é desconhecida, mas, segundo Dolores Feixa e Guta Chaves, em “Gastronomia no Brasil e no Mundo”, publicado em 2008, acredita-se que a feijoada tenha sido servida pela primeira vez nessa configuração em um antigo restaurante do Rio de Janeiro, ainda no final do século 19.
Por aqui, compartilhamos uma releitura do clássico feijoada: a receita de uma deliciosa feijoada de legumes e cogumelos, do Livro de Receitas Sustentarea. Para acompanhar, sugerimos uma farofa à base de farinha de mandioca, é claro!
Portarretrato: 22 de abril, o Dia da Mandioca
Comemorado nesta segunda-feira (22/4), o Dia da Mandioca é uma data alternativa, usada por ativistas alimentares para celebrar a Rainha do Brasil em vez de festejar o colonial Descobrimento do Brasil — quando os portugueses invadiram terras americanas e empreenderam o genocídio de povos indígenas.
Além de celebrar a nossa amada raiz, com o envio de mais uma edição da Cartinha da Rainha, aproveitamos este Dia da Mandioca para falar sobre a campanha "Mandioca é Cultura, Soberania e Segurança Alimentar", parceria do Sustentarea com a Comunidade Slow Food Mandiocas, da Rede Slow Food Brasil.
Em 2024, os dois coletivos se unem para incentivar o compartilhamento e a troca de conhecimentos sobre os potenciais da mandioca como alimento estratégico do futuro ancestral. Veja a chamada da campanha no vídeo abaixo.
Te convidamos para acessar as redes sociais do Sustentarea (Instagram e Facebook) e acompanhar os posts da iniciativa.
Na janela: Sustentarea em dois eventos científicos
A mandioca e o Sustentarea estão marcando presença em eventos científicos pelo mundo.
No dia 10 de abril, o paper “Exploring dietary intake and food insecurity: The role of cassava in Brazil” (Explorando o consumo alimentar e a insegurança alimentar: O papel da mandioca no Brasil, em português) foi apresentado na 5ª Conferência Global de Segurança Alimentar, na Bélgica. O documento, de autoria de Jennifer Tanaka, Thaís Arcari, Leticia Gonçalves e Aline Carvalho, analisa o consumo de mandioca no Brasil entre 2008 e 2018 e mostra os impactos da social nos padrões alimentares.
Já no 28° Conbran - Congresso Brasileiro de Nutrição, que ocorre entre 21 e 24 de maio em São Paulo/SP, o Sustentarea estará presente com o trabalho “Mandioca do café da manhã ao jantar: uma oficina culinária rumo à sustentabilidade alimentar na formação profissional”. O trabalho que discute os resultados de uma oficina culinária que discutiu saberes sobre a raiz e mostrou diferentes modos de preparo do alimento, foi selecionado entre os melhores trabalhos da área temática e receberá Menção Honrosa! O artigo é assinado por Fernanda Nascimento Pereira, Jennifer Tanaka, Thaís Martínez Arcari e Aline Martins de Carvalho. Mais informações sobre o Conbran estão neste link.
Referências
CHAVES, Guta; FREIXA, Dolores. Gastronomia no Brasil e no Mundo. [São Paulo]: Senac, 2008.
DANTAS COÊLHO, Jackson. Agropecuária: Feijão. Caderno Setorial Etene, Fortaleza (CE), ano 8, ed. 322, 1 dez. 2023. Disponível em: https://www.bnb.gov.br/s482-dspace/bitstream/123456789/1918/1/2023_CDS_322.pdf. Acesso em: 22 abr. 2024.
MACHADO, F.; SOARES -ANALISTA DE MERCADO, S. Unidade 12 meses Mês anterior Mês atual Variação anual Variação mensal. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.conab.gov.br/info-agro/analises-do-mercado-agropecuario-e-extrativista/analises-do-mercado/historico-mensal-de-mandioca/item/download/15104_87ab84e372faa534fa097d39adcb71c5>. Acesso em: 22 abr. 2024.
PACTO GLOBAL REDE BRASIL. Feijão: uma leguminosa de valor nutricional e social. Pacto Global Rede Brasil, [S. l.], p. feijão; nutrição, 1 fev. 2023. Disponível em: https://www.pactoglobal.org.br/noticia/feijao-uma-leguminosa-de-valor-nutricional-e-social/. Acesso em: 20 abr. 2024.
PINTO E SILVA, Paula. Farinha, Feijão e Carne-Seca: Um tripé culinário no Brasil colonial. [São Paulo]: Senac, 2014.
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