CASAS DE FARINHA [#10]
Na varanda
CASAS DE FARINHA ENTRE PRODUÇÃO E RELAÇÕES SOCIAIS
Ô de casa, tem farinha? Ô se tem, do pantanal a caatinga, da floresta à vereda. Do índio, do quilombola. Branca, amarela, grossa, fina, doce, amarga. Pode clicar, a Casa de Farinha é sua! (TERRA MADRE BRASIL)
O processo de transformação da mandioca em farinha ocorre em um lugar de importância histórico-cultural para os brasileiros,as chamadas: Casas de Farinha. Esse espaço é onde ocorre também a fabricação de outros subprodutos, como o tucupi, a fécula (goma), o beiju, a tapioca e a farinha de tapioca.
Embora o preparo de alimentos seja a primeira concepção que nos vem à mente quando pensamos em Casas de Farinha, é possível dizer que não se trata de um espaço apenas de produção alimentar, mas, também, de produção de conhecimento, de relações sociais, de gênero, de sucessão geracional. Para além de ser um meio de trabalho para a garantia do sustento da família, as Casas de Farinha representam modos de vida e o exercício de uma cultura que ultrapassa gerações.
Através de uma teia de relações e significados, as Casas de Farinha carregam histórias, partilhas e encontros uma vez que reúnem famílias ou moradores de uma vizinhança para contribuir com as atividades. Frequentá-las é, assim, um exercício de coletividade, em que laços de sociabilidade e reciprocidades tendem a ser fortalecidos.
Na escrivaninha
AS FARINHADAS COMO ATO DE RESISTÊNCIA
As farinhadas são conhecidas como o ato de produzir artesanalmente farinha de mandioca, uma prática tradicional que reúne toda a família e, por vezes, a comunidade. Um fazer que geralmente ocorre de forma coletiva desde o processo de colheita até a produção em si da farinha. Muitas das farinhadas são acompanhadas pelas cantadas, que continham informações sobre o trabalho cotidiano e simbolizam um ato de resistência à escravidão. Joceneide Santos (2004), em seu trabalho, conta como no século XIX essa prática ocorria na vila do Lagarto, em Sergipe, com a seguinte música:
A moqueca é apontada como uma resistência cotidiana em que as cozinheiras ao preparar comidas para suas senhoras, excedem a quantidade de temperos, como o limão e a pimenta, com o intuito de transformar a refeição em um momento de desconforto.
SANTOS, J. C. ENTRE FARINHADAS, PROCISSÕES E FAMÍLIAS: a vida de homens e mulheres escravos em Lagarto, Província de Sergipe (1850-1888). Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade Federal da Bahia. 2004.
Portarretrato
Solo fértil, raiz forte por Cristina Potiguara
Para os Potiguaras a terra é um lugar sagrado, respeitosamente chamada de mãe, mesmo com os avanços tecnológicos existentes nas aldeias, os indígenas continuam a realizar os seus hábitos culturais, nas quais fazem parte: caça, pesca e agricultura. Sendo a agricultura a principal destas práticas. Na terra, se planta e colhe os mais variados tipos de legumes, hortaliças, tubérculos, grãos, frutas e raízes. Entretanto, o principal produto cultivado na aldeia é a mandioca.
Boa parte do processamento da mandioca são técnicas que ocorrem nas casas focais, no entanto para a outra parte que requer uma produção maior sua feitura acontece nas casas de farinhas. Espaços estes, geralmente sem paredes, apenas apropriadas para fazer “farinhadas”, em que grupos familiares se deslocam para produção das farinhas e beijus. Por isso, as Casas de Farinhas são vistas como espaços de sociabilidade entre indígenas e não indígenas. Na produção da farinha, geralmente todas as famílias se reúnem e realizam refeições coletivas em um único lugar, tendo em vista, que o volume de mandiocas colhidas necessita de um maior investimento de tempo para realizar e finalizar as atividades de produção.
Nesses ambientes, além da produção dos alimentos, também ocorre a transmissão de conhecimentos entre mães e filhas, pais e filhos. Percebemos que a casa de farinha possui uma relação afetiva e social que aproxima toda a Aldeia onde está instalada. É na Casa de Farinha que se percebe a união e solidariedade das famílias, tendo em vista que as atividades são divididas coletivamente, sendo as mais pesadas, designadas aos homens (embora as mulheres também pratiquem todas) e as mais delicadas e cheias de detalhes, atribuídas às mulheres.
Assim como nas plantações, essas tarefas também são direcionadas às crianças, que de forma pedagógica aprendem observando os desenvolvimentos dessas práticas ancestrais pelos pais, avós e parentes. Aqui chamamos de "aprender brincando" disse Cristina Potiguara. Apesar da importância das Casas de Farinha, Cristina Potiguara alerta que muitas famílias estão deixando de produzir o seu próprio alimento e passando a consumir produtos industrializados.
Desse modo, a relação alimento-natureza é afetada, pois o consumo de alimentos biodiversos diminui à medida que outros são introduzidos. Portanto, é necessário ampliar e incentivar a agricultura familiar, mostrando que essas práticas podem começar nas proximidades de suas casas, nos quintais produtivos e se estender para os roçados é um instrumento que pode garantir a soberania e segurança alimentar da população. Para Cristina, “só existimos porque possuímos solos férteis e nossas raízes só continuarão vivas se essa terra for cuidada diariamente”.
Gostaria de conhecer mais sobre o trabalho de Cristina Potiguara? Te convidamos a escutar o Ep. 02 da terceira temporada do podcast Comida que Sustenta. Cristina participa contando mais sobre os Sistemas Alimentares Tradicionais do povo Potiguara. Se eu fosse você não deixaria de ouvir! Escute o episódio clicando aqui.
No fogão
BOLO DE PÉ DE MOLEQUE: Passo a passo do saber fazer ancestral
O bolo pé de moleque é feito com a massa de mandioca mole seca, mel de rapadura e especiarias (cravos e erva-doce).
A secagem da massa de mandioca mole é realizada ao sol, depois que a farinha é pilada e peneirada. Geralmente, enquanto se prepara a massa, aproveita-se do forno aceso para secar as especiarias, em um casco de coco, nesse processo as especiarias liberam aromas e sabores com maior facilidade. Em seguida, as especiarias são trituradas.
Feito isso, une-se todos os ingredientes, levando-os para assar em formato de disco, sob uma folha de bananeira previamente umedecida com leite de coco. Cobre-se a parte superior da massa com a outra parte da folha e coloca um peso para deixar a preparação uniforme. Após a massa ser assada de ambos os lados e está pronto o bolo de pé de moleque.
Esse conteúdo foi organizado e editado pelas integrantes do GT Alimentação Brasileira - Mandioca: Alice Medeiros, Evelym Landim, Evla Vieira, Gerson Nogueira, Jennifer Tanaka, Letícia Gonçalves, Suany Silva e Thais Arcari.